O reconhecimento da vulnerabilidade para uma justiça interespécies e interseccional baseada no cuidado

Autores

DOI:

https://doi.org/10.36592/opiniaofilosofica.v15n2.1229

Palavras-chave:

cuidado, Ecofeminismo, Interseccionalidade, Justiça interespécies, Vulnerabilidade

Resumo

Neste artigo pretendemos estabelecer o direito ao cuidado como parte de um conceito de justiça interespécies e interseccional. Essa abordagem reconhece a vulnerabilidade como uma caraterística intrínseca a todos os seres vivos, independentemente de gênero, classe, raça, capacidade ou espécie. Portanto, a vulnerabilidade é considerada geral, abrangente e fundamental para os seres humanos e outros que humanos, diferentemente do paradigma da ‘invulnerabilidade’ pressuposto por teorias éticas, políticas e ontológicas modernas, ainda que de maneira não declarada. O ideal de invulnerabilidade não representa a condição interna dos seres vivos, mas a sustenta como fundamento de sistemas de dominação baseados em dualismos hierárquicos de valores. Reconhecer a vulnerabilidade relacionada à interdependência, sem rejeitá-la ou deturpá-la, é essencial para superar esses dualismos. Isso exige também reconhecer que a distribuição das atividades de cuidado é limitada e afeta os indivíduos de forma diferente consoante a sua posição social, considerando marcadores de grupo como a raça, a classe, o gênero, a capacidade e a espécie. O direito ao cuidado devido à vulnerabilidade visa proteger os indivíduos e os grupos políticos minoritários das desigualdades e injustiças. Para além de direitos negativos, isso exige medidas de proteção que impõem deveres de cuidado aos agentes morais, às instituições sociais e ao Estado, para os quais propomos um guia universal interespécies. Ser reconhecido como alguém com valor moral e político significa ter em conta a sua vulnerabilidade. Por conseguinte, não ser cuidado na sua vulnerabilidade, no momento certo e na medida adequada, tendo em conta a singularidade e a análise contextual para que as particularidades da situação e as especificidades do indivíduo sejam adequadamente atendidas, é ser objeto de injustiça. Concluímos que um direito a ser cuidado faz parte de uma concepção pluralista de justiça que engloba uma perspectiva interespécies e interseccional contrariando a lógica da dominação e construindo o caminho para a lógica do cuidado.

Biografia do Autor

  • Tania Kuhnen, UFOB

    Doutora, mestra e graduada em Filosofia, graduada em Letras - Alemão (2011), todos pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2012 realizou estágio de pesquisa na Humboldt Universität zu Berlin com bolsa DAAD/CAPES. Leciona disciplinas de Ética, Bioética e Filosofia Política, além de realizar pesquisa e publicar artigos em temas do campo da Filosofia Moral, tais como: fundamentos da ação moral, limites da comunidade moral, ética animal, bioética médica e ambiental e filosofia feminista. Desde 2015 é professora na Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), onde integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais (PPGCHS - UFOB). É também professora credenciada junto ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordena o Grupo de Pesquisa ‘Marginais: Grupo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Minorias e Exclusões’, vinculado à UFOB, além de colaborar com o Laboratório de Ética Animal e Ambiental (LEA/UFF) e o Grupo Interdisciplinar em Pesquisas Socioambientais - Grupo IPÊS (FURB). É autora do livro ‘Ética do cuidado: diálogos necessários para a igualdade de gênero’ (EdUFSC, 2021).

  • Ilze Zirbel

    Professora do Centro Universitário CESUSC (CESUSC); Pós-doutora e Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Graduada em História pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) e em Teologia pela Escola Superior de Teologia da IECLB (EST). Integrante do Grupo de Estudos em Reflexão Moral Interdisciplinar e Narratividade (GERMINA) e do projeto “Uma filósofa por mês"; da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas e do GT Filosofia e Gênero da ANPOF. Principais áreas de pesquisa: Filosofia Política e Ética; Estudos Feministas; História da Filosofia; Teorias do Cuidado.

  • Daniela Rosendo

    Doutora e Mestra em Filosofia (UFSC), e graduada em Direito (Univille). Em 2022, finalizou um estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina. Com experiência no terceiro setor e na docência no ensino superior desde 2008, realiza consultorias e projetos por meio da Quilting Educação Filosofia Artesanal, uma iniciativa voltada ao florescimento humano e à contrução de relações de cuidado éticas e justas socioambientalmente. Pesquisadora do Núcleo de Ética Prática (NuEP) da UFSC, do Laboratório de Ética Ambiental e Animal (LEA) da UFF e do Marginais: Grupo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Minorias e Exclusões, da Universidade Federal do Oeste da Bahia. Membra do Instituto Latinoamericano de Estudios Críticos Animales (ILECA). Autora do livro ‘Sensível ao Cuidado: Uma perspectiva ética ecofeminista’, atualmente em sua segunda edição, revista e ampliada, publicada pela editora Ape'ku.

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Publicado

2024-12-18

Como Citar

O reconhecimento da vulnerabilidade para uma justiça interespécies e interseccional baseada no cuidado. (2024). Revista Opinião Filosófica, 15(2), 1-19. https://doi.org/10.36592/opiniaofilosofica.v15n2.1229